Todos me contam, num olhar de acônito, como se eu estivesse errado, que um dia vai passar. Do que hoje é memória lúgubre amanhã é memória ferial. E que chega um tempo, que não sei qual o tempo, nem memória fica e o passado se mistura como água de delta, sem que aquilo faça mais percurso dentro da gente. Da imensidão e infinitude do universo eu só consigo me perceber, das dores que tive, das que eu ainda tenho e daqueles que porventura – da natureza de estar vivo – ainda vou ter. É de um egoísmo sem tamanho, mas é o único tamanho que me cabe hoje, daquilo que mal digere, não no estômago, mas no coração, porque é sentimento mal resolvido, sentimento mal dito.
Sei que do tempo nada escapa, nem a cicatriz que insiste em doer toda vez que o clima se torna mais ou menos bravio. Da mesma forma que o coração se aperta ao passarmos por algum ou outro lugar que a memória nos desperta. Mas parece que estou fugindo do tempo, inocente e crente de que isso é possível, no intuito de um dia, talvez, conseguir falar tudo aquilo que eu sinto, tudo aquilo que eu senti, tudo aquilo que me transborda e eu não sei lidar.
Diante de mim a imensa porta, fechada, trancada, intransponível. De trás de mim uma escadaria imensa, íngrime, de degraus curtos e altos, que não me contempla uma descida tranquila. Não posso ir, nem voltar. Estou parado, aguardando. Quem sabe a porta se abre, quem sabe eu consiga descer sem me machucar. Mas hoje, pelo menos hoje, eu me sento e contemplo e espero. O que pode vir? Nada, como talvez tudo. Não tenho muito mais a perder, já que não resta muito. Também não acredito que eu tenha lá muito mais a ganhar, já que não sou merecedor de nada. E qualquer esmola prum vadio qualquer, perdido e andarilho nos campos das emoções, é fortuna sem fim, é riqueza desmedida.
Talvez eu esteja me contentando com pouco. Mas é difícil querer muito quando não se considera ser algo que o valha. Nisso, sentado entra a porta e a escadaria, eu espero. Numa oração ao tempo, pedindo que este seja forte e leve tudo para o longíquo passado; numa oração a todos que me cercam, pedindo que eu seja no mínimo acalentado. Daqui guardo o silêncio, na esperança de que um dia ele cesse, se torne diálogo, sentimento e razão, para deixar os dias menos atribulados, atormentados e até, quem sabe, mais coloridos.